domingo, 2 de novembro de 2014

PALMA, CABO DELGADO, MOÇAMBIQUE, CIDADE DO GÁS

"Palma, Cidade do Gás                                   


Palma, Cidade do Gás Palma, zona onde esta prevista a construcao da plataforma de liquefacao de gas proveniente da Bacia do Rovuma
Nuno Remane mal consegue esconder o seu entusiasmo quando aponta para a maqueta de “Palma, Cidade do Gás”. Esta nova área metropolitana terá 18 mil hectares e vai acomodar 250 mil pessoas, uma fábrica de produção de Gás Natural Liquefeito (GNL) e um conjunto de indústrias de energia intensiva, assim como campos de golfe, centros comerciais e hotéis.
Aquilo que à primeira vista pode parecer um projecto imponente no deserto do golfo de Moçambique - uma região rica em petróleo -, não é mais do que o esboço de um projecto a executar numa zona costeira remota de Moçambique, um dos países mais pobres de África. "O gás vai mudar o curso da nossa História. O parente pobre dos países de língua e expressão portuguesa vai tornar-se num pequeno líder - se soubermos conduzir bem o projecto, claro", explica Remane, CEO do Tracus, o ateliê de arquitectura que assina o projecto.
Eis um exemplo da ambição de Moçambique no momento em que se prepara para explorar vastas reservas de gás com potencial para transformar a nação num dos principais exportadores de GNL. O país elegeu um novo presidente nas disputadas eleições de Outubro, Filipe Nyusi, e prepara-se para definir o caminho a tomar no que respeita ao desenvolvimento e exploração do gás e como evitar a chamada "maldição dos recursos naturais", que tantos dissabores tem trazido a outros produtores de hidrocarbonetos.
O governo está a preparar nova legislação e antes do final do ano deverá estar concluído o enquadramento legal e contratual a aplicar à italiana Eni e à norte-americana Anadarko, que lideram os consórcios que descobriram reservas de gás superiores a 3 mil biliões de metros cúbicos ao largo da costa moçambicana.
Quando a legislação estiver pronta, os grupos e respectivos parceiros - incluindo a chinesa CNPC e a indiana Oil and Natural Gas Corporation - poderão avançar com as decisões de investimento a realizar no próximo ano. Os custos de desenvolvimento dos projectos de GNL estão estimados em cerca de 50 mil milhões de dólares.
Na semana passada, Moçambique lançou a quinta ronda de licenças de exploração, que irão abarcar 15 blocos com mais de 76.800 Km2. Prevê-se que o gás dos campos da Eni e da Anadarko na bacia do Rovuma, situados entre 20Km a 50Km ao largo da costa, continuem em pleno funcionamento em 2019. Mas antes disso acontecer é necessário construir um vasto conjunto de infra-estruturas, que terá Palma como epicentro.
Seja como for, o governo já está a colher os frutos desta indústria ainda em crescimento. É o caso da receita fiscal gerada por operações nesta área nos últimos 12 meses, que rondou os mil milhões de dólares. Mais. A capital, Maputo, vive um ‘boom' imobiliário que releva do potencial da indústria do gás, que fez disparar a procura de escritórios e habitação. No entanto, só depois de 2020 é que os fluxos de dinheiro associados à indústria terão mais expressão. Segundo a Agência Internacional de Energia, a receita cumulativa do governo poderá atingir os 115 mil milhões de dólares em 2040.
Grande parte do desenvolvimento destas infra-estruturas terá lugar durante o mandato de Nyusi. A principal dúvida que se coloca é saber se todo este processo vai decorrer de forma transparente. O Centro de Integridade Pública, que se define como "uma pessoa colectiva, de direito privado, com fins não lucrativos, não partidária e independente", tem sede em Maputo e considera que existe o risco de os acordos que estão a ser negociados com as petrolíferas terem efeitos negativos, "devido aos interesses privados de elementos do governo e de membros da Frelimo."
As relações entre o partido no poder - que governa o país desde a independência, em 1975 -, o Estado e as empresas não são propriamente claras e, como tal, a preocupação em torno da corrupção e do favorecimento tem crescido significativamente nos últimos anos. Em 2013, os doadores ficaram surpreendidos quando souberam que o país reunira 850 milhões de dólares em títulos com garantia do Estado para uma empresa moçambicana de pesca de atum. Os fundos foram usados na compra de equipamento radar e barcos-patrulha, "mas ainda se desconhece o paradeiro de cerca de 200 milhões de dólares", sublinha um doador sénior.
Mais recentemente, doadores e grupos da sociedade civil apontaram o dedo à falta de transparência de um concurso público para uma base logística no porto de Pemba, no norte do país. As vozes mais críticas receiam que a fase de construção e logística dos projectos de GNL favoreça a política de favorecimentos e a corrupção.
Sabe-se que Nyusi, 55 anos, não tem interesses empresariais relevantes. Além disso, será o primeiro presidente que não participou na guerra da independência. Ou seja, é visto como uma mudança geracional. Durante a campanha Nyusi prometeu combater a corrupção e distribuir a riqueza do país de forma mais equitativa, no entanto, os verdadeiros desafios ainda estão para vir.
Os lucros do gás "vão contribuir para um processo transformativo, pelo menos por ora", garante Remane. "Não tenho dúvidas sobre isso. Esta cidade [Maputo] ainda está por acontecer... e vai acontecer. A ideia não é mudar o mundo, mas mudar o país".
(Andrew England, em Maputo, para economico.sapo.pt)
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